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A orquídea, o bago do boi e as testemunhas; em comum?

Alcides Silva - 11 de novembro de 2005 - 07:13

Língua Portuguesa, inculta e bela
Alcides Silva
A orquídea, o bago do boi e as testemunhas do nascimento

O que teria em comum a orquídea, essa flor especial, duradoura, harmônica, a flor das flores, com o bago de boi (convenhamos, nada estético), que se churrasqueia festivamente na castração dos novilhos, ou com os colhões (pior, ainda), nome chulo que se dá à parte interna da genitália masculina, onde é produzido o espermatozóide? E com o ato operatório de excisão (retirada) de um ou de ambos os testículos, chamado de orquiectomia? E com as testemunhas de um nascimento humano?
São as voltas que a língua dá na origem e formação de palavras ou frases.
Teofrasto, filósofo e naturalista grego, discípulo de Platão e de Aristóteles, escreveu, três séculos antes de Cristo, duas obras científicas que se tornaram famosas: “Investigações sobre as Plantas” e “As Causas das Plantas”. Nelas, dentre a variedade de plantas que descreveu, a uma delas denominou de orchídion, por possuir dois caroços gêmeos nas raízes. Orchídion é diminutivo do grego órchis/órchios, testículo, em vernáculo.
E o nome foi dado à planta porque os dois caroços da raiz se assemelhavam aos testículos masculinos.
Em face disso, por muito tempo acreditou-se que essa planta possuísse propriedades afrodisíacas; os tubérculos de suas raízes foram disputadíssimos na Idade Média porque se supunha excelentes estimulantes sexuais. Foi a catuaba daqueles tempos, ou o valoroso ‘viagra’ dos dias de hoje.
Essa analogia semântica não ocorreu somente em palavras derivadas do grego. É por analogia aos órgãos do corpo que se diz pé de mesa, boca da noite, braço de rio, língua de fogo, dente de alho etc.
Os astecas - povos que habitavam o México e parte da América Central, antes da conquista espanhola - cultivavam uma fruta comestível e de onde extraiam óleo, à qual chamavam de awákatl (testículo, na língua deles) por causa da semelhança de sua forma.
Os espanhóis quinhentistas, os colonizadores, comumente trocavam a pronúncia da letra ‘v’ pelo ‘b’ e, assim o awákatl dos índios astecanos passou a ser conhecido como abacate.
Por que será que se chama de bago ou baga o fruto do cacho de uvas? Ou de orca, o pequeno vaso bojudo e de forma ovalada, semelhante a uma ânfora, porém sem as duas asas?
Ite é um sufixo designativo de doença inflamatória de órgão ou de tecido. Bronquite (que eu padeço pelos anos inconseqüentes de fumante) é a dos brônquios; amigdalite, das amígdalas; colite, do colo, dermatite, da pele, duodenite, do duodeno, faringite, da faringe, meningite, da meninge, peritonite, do peritônio etc.
Já a inflamação dos testículos não se chama de ‘testiculite’, mas de orquite, palavra derivada do mesmo órchis de onde saíram as orquídeas. Daí, por semelhança, orquiocele (tumor ou exagerado inchaço do testículo), orquiopexia (fixação cirúrgica do testículo), orquiotomia (corte no testículo) etc.
Testículo veio do latim testiculu (=pequena testemunha). E tem razão: a família antiga era patrilinear, isto é, o parentesco só era reconhecido pela linha masculina. Assim, tão logo nascida uma criança, na Roma antiga eram chamadas testemunhas para confirmar se o recém chegado iria ou não continuar os laços da família, isto é, se era ou não menino. Se incontestes, fossem encontradas sob a genitália de quem acabara de nascer, duas “pequenas testemunhas”, garantida estavam a continuidade da família e do culto dos deuses-lares.

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