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A história do trigo no Brasil: Borlaug errou!

Fonte: CNPT Embrapa

Redação - 03 de setembro de 2020 - 05:40

Foto: ilustração
Foto: ilustração

Errar não é privilégio exclusivo dos mortais comuns. Até mesmo um agraciado com o Prêmio Nobel pode cometer erros. A única e grande diferença é que, quando isso acontece, o erro é admitido. Pelo menos, foi assim com Norman Ernest Borlaug, Prêmio Nobel da Paz 1970. Escreveu ele, entre outras coisas, nos anais do "Fourth International Symposium on Plant-Soil at Low pH", realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1997: "Meu primeiro contato com esses solos ácidos foi no começo de 1953. Naquela época, eu vi testes de fertilidade, com e sem calcário, conduzidos no sul do Rio Grande do Sul, pelo dr. J. E. G. Araújo. Os resultados eram confusos e nada promissores, levando-me a acreditar que esses solos de campo nunca se tornariam áreas de produção agrícola efetiva, durante minha vida. QUÃO ERRADO EU ESTAVA!". O interessante dessa história com tom quase de confissão de culpa é que Borlaug estava se referindo à agricultura sul-brasileira e em particular à cultura de trigo.

Norman E. Borlaug, americano de origem norueguesa, está envolvido com programas de produção de alimentos nas chamadas nações pobres do mundo faz mais de 50 anos. Em 1944, começou a trabalhar com trigo no México. Do programa de melhoramento genético conduzido por sua equipe resultou um grupo de variedades de trigo, caracterizado por um novo tipo de planta (variedades anãs) que possibilitava o uso de maior quantidade de fertilizantes, resistentes às doenças, consequentemente mais produtivas e adaptadas para diferentes regiões do mundo (insensíveis ao fotoperíodo). Do sucesso alcançado no México, ainda nos anos 50, essas variedades de trigo obtiveram êxito também no Paquistão, no começo dos anos 60, depois chegaram à India, sendo igualmente bem sucedidas. Após os bons resultados alcançados no México, no Paquistão e na Índia, essas novas variedades de trigo foram introduzidas na Turquia, no Afeganistão, no Irã, no Iraque, na Tunísia, no Marrocos, na Líbia e em outros países, contribuindo para o aumento verificado na produção agrícola que entrou para a história como "Revolução Verde".

A chamada "Revolução Verde", idolatrada por alguns e criticada por outros, teve seu marco de referência nos aumentos de rendimentos obtidos principalmente nas culturas de trigo e de arroz na Ásia, em meados dos anos 60. Na verdade, foi o resultado da aplicação de novas tecnologias na agricultura, envolvendo o uso de produtos químicos (fertilizantes e defensivos), além das variedades. Pode-se dizer que começou no México, com o trigo, e atingiu o ápice nos anos 60 e 70, com o aperfeiçoamento verificado nos sistemas de produção também de arroz e milho na Índia, Paquistão, Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul e Filipinas.

Deixando de lado a "Revolução Verde" e voltando ao trigo no sul do Brasil, destaca-se que alguns anos depois da visita que fez a Pelotas, em 1953, Borlaug se deu conta do sucesso que foi o programa de melhoramento genético de trigo realizado no Brasil, com a criação de cultivares adaptadas aos solos ácidos da região e particularmente tolerantes ao alumínio tóxico presente no solo. Esta história de sucesso não aconteceu por acaso, pelo que consta, começou com a criação das estações experimentais de Alfredo Chaves (hoje, Veranópolis), no Rio Grande do Sul, e de Ponta Grossa, no Paraná, em 1919, especificamente dedicadas à cultura de trigo.

Em Alfredo Chaves, entre 1919 e 1924, os trabalhos com trigo foram conduzidos por Carlos Gayer, agrônomo natural da Tchecoslováquia, sendo, por isso, considerado o pioneiro no melhoramento de trigo no Brasil. Basicamente, envolvendo a introdução de genótipos de diversas partes do mundo para observar a sua adaptabilidade e a seleção de material obtido nas lavouras dos imigrantes italianos no estado. O grande mérito foi a reunião das variedades cultivadas na zona colonial, dando origem às chamadas linhas Alfredo Chaves que fizeram parte da origem de muitas variedades cultivadas no Brasil.

A partir de 1925, os trabalhos com trigo em Alfredo Chaves ficaram sob responsabilidade do geneticista sueco Iwar Beckman. Sem dúvida, Beckman foi um dos expoentes no melhoramento genético de trigo no Brasil. Iniciou as primeiras hibridações com trigo no país. Nos seus cruzamentos usou a variedade de trigo Polyssú (originada a partir de trigo cultivado em Guaporé, RS, que foi adquirido pelo engenheiro químico Jorge Polyssú, natural da Argélia, para cultivo em Piraquara, PR, em 1914), que se destacava entre os materiais cultivados em Alfredo Chaves, pela resistência a um mal que mais tarde se chamou "crestamento".

Os trabalhos com trigo conduzidos por Beckman em Alfredo Chaves (Veranópolis) tiveram continuidade, a partir de 1929, na estação experimental de Bagé. Da estação de Bagé saiu aquela que pode ser considerada a melhor variedade criada por Beckman, tendo obtido grande expressão na triticultura brasileira: Frontana, lançada em 1943.

O sucesso da triticultura no Brasil foi alcançado, sem dúvida, no primeiro momento, graças ao desenvolvimento de variedades resistentes ao alumínio, presente na maioria dos nossos solos. Este mal, que, nos anos 20, levou Iwar Beckman achar que era causado por nematóides (Heterodera schachti) foi desvendado por Benedito de Oliveira Paiva, nos anos 40, que atribuiu o chamado problema de crestamento à acidez do solo (pH baixo). Todavia o problema foi de fato resolvido pelo professor José Emílio Araújo, da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Pelotas, RS, que em trabalhos do final dos anos 40 e início dos 50 comprovou que o mesmo era causado pelo alumínio trocável presente no solo. E a partir da herança da resistência ao crestamento, que se mostrou dominante, foi reorientado o melhoramento genético de trigo no Brasil, tornando seu cultivo viável nos solos que Borlaug, em 1953, não acreditou que seria possível, durante a sua vida.

Depois dessa fase inicial, que a pesquisa científica aplicada na cultura de trigo mostrou a sua capacidade de resolver grandes entraves na agricultura, vieram novas variedades incorporando, além da resistência ao alumínio, resistência às doenças, novo porte de planta capaz de suportar adubação nitrogenada sem acamar, alto potencial de rendimento de grãos com características de qualidade para diferentes fins etc., colocando a triticultura brasileira no mesmo nível de outros países produtores.

Isto posto, fica a lição de que se alguém que mereceu o Prêmio Nobel admite que errou, e muito, em relação à capacidade de produção de trigo no Brasil, só pode ser por razões que a própria razão desconhece, que há pessoas que não acreditam na viabilidade dessa cultura no país. E isso que se planta trigo por essas bandas faz quase 500 anos.

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