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A história do movimento das Diretas Já

23 de abril de 2004 - 09:55

Dia 25 de abril de 1984: milhares de pessoas tomam conta da Esplanada dos Ministérios para pedir eleições diretas já. Mesmo diante de policiais militares armados, a multidão permanece nas largas avenidas e no extenso gramado que leva à Praça dos Três Poderes, no triângulo em cujos vértices estão o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

O Brasil ainda está sob comando dos militares, que haviam tomado o poder em 1964. O presidente da República é o general João Baptista Figueiredo. No plenário da Câmara dos Deputados, o clima é tenso. Os parlamentares aguardam o início da votação da Emenda Constitucional nº 5, de autoria do jovem deputado Dante de Oliveira (MDB-MT), com a proposta de eleições diretas para presidente da República, suspensas há 20 anos. O deputado Ulysses Guimarães (MDB-SP), conhecido como “Senhor Diretas”, usa uma gravata amarela. E antecipa, em discurso que seria interrompido 23 vezes pelos aplausos: “A Pátria é o povo e o povo vencerá. Pode ser hoje, pode ser amanhã, mas é inevitável. E não demora”.

Já irrompe a madrugada do dia 26 de abril de 1984 quando a emenda Dante de Oliveira é derrotada, após 17 horas de discussão, por 298 votos a 65. Faltaram 22 votos para chegar à maioria de dois terços, necessária à aprovação da proposta de modificação da Constituição. É a última derrota sofrida pela democracia brasileira, depois de uma longa série iniciada em outra madrugada, a de 1o de abril de 1964, vinte anos antes, quando uma insurreição militar depôs o último presidente eleito pelo povo, João Goulart.

Lá fora do Congresso, o comandante Militar do Planalto, general Newton Cruz, montado num cavalo branco, chicoteia os carros que buzinam e ameaça prender todos os que vestem roupas amarelas – a cor que virou símbolo da campanha.

O país ainda esperaria cinco anos até poder voltar às urnas, mas a derrota da emenda de Dante teve sabor de vitória. Mesmo com eleição indireta, poucos meses depois, Tancredo Neves, candidato do MDB, derrotaria Paulo Maluf (PDS), aliado dos militares. Coube ao Colégio Eleitoral, mecanismo criado pela ditadura militar, decidir a eleição a partir de uma lista submetida ao voto de 686 parlamentares.

Luta

Entre os deputados que continuam em atividade política atualmente, votam contra as eleições diretas na Câmara os então pedessistas: Sebastião Curió (PA), Ricardo Fiúza (PE), Ângelo Magalhães (BA), Amaral Neto (RJ), Siqueira Campos (GO), Adhemar Ghisi (SC) e Pratini de Morais (RS). Ausentaram-se Rita Furtado (RO), Gerson Peres (PA), Edison Lobão (MA), Ernani Satiro (PB), Álvaro Gaudêncio (PB), Prisco Viana (BA), Simão Sessim (RJ), Cristovam Chiaradia (MG), Cunha Bueno (SP) e Paulo Maluf (SP).

De última hora, com voto a favor das diretas, alguns parlamentares do PDS surpreendem: Sarney Filho (MA), Paulo Lustosa (CE), José Jorge (PE), Alberico Cordeiro (AL), Fernando Collor (AL), Alvare Valle (RJ), Aécio Cunha (MG), Humberto Souto (MG), Herbert Levy (SP) e Alceni Guerra (PR).

Com a rejeição da emenda, a decepção toma conta do país. Estudantes, trabalhadores, intelectuais, artistas e gente simples do povo protestam e decidem manter a luta para escolher o presidente do Brasil. O deputado Ulysses Guimarães (MDB-SP) e o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva haviam sido os principais responsáveis pela mobilização popular que levou milhares de pessoas aos 30 comícios organizados de 12 de janeiro a 16 de abril de 1984. E não desistiriam do propósito de restabelecer a normalidade democrática no País. Definem o nome do ex-governador Tancredo Neves (PSD-MG) como candidato à Presidência da República na eleição indireta. A chapa oposicionista tem José Sarney como candidato a vice e acaba derrotando a do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, candidato avalizado pelos militares, no dia 15 de janeiro do ano seguinte.

Um dia antes da posse, marcada para 15 de março de 1985, Tancredo Neves é submetido a uma cirurgia para a retirada do divertículo, no Hospital de Base de Brasília. Seu estado de saúde se agrava e ele é removido para o Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. Depois de uma acirrada discussão envolvendo políticos e juristas, decide-se que a posse temporária de José Sarney não está em desacordo com a legislação eleitoral e a Constituição.

Mais de um mês depois, no dia 21 de abril de 1985, Tancredo Neves morre. Sarney assume em definitivo e torna-se o último presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, dando início ao processo de redemocratização do país. A Constituição de 1988 resgataria os compromissos democráticos, cassados pela ditadura.

Manifestações

PMDB, PDT, PT e PcdoB adotam a mobilização pelas eleições diretas, apadrinhadas também pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Central Única dos Trabalhadores (CUT) com o apoio de sindicalistas, empresários, intelectuais e artistas. A campanha vai para as ruas em todo o país.

O primeiro comício atrai cerca de 8 mil pessoas em Goiânia (GO), no dia 25 de junho de 1983. Mas na opinião de Ulysses Guimarães, "essa coisa vai pegar, tem tudo para pegar". No dia 29 deste mesmo mês forma-se no Rio de Janeiro uma frente suprapartidária, que reúne no Palácio da Guanabara os governadores Leonel Brizola (RJ) e Franco Montoro (SP), e o presidente nacional do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Outros governadores se engajam ao movimento, entre eles Waldir Pires (MDB), da Bahia; Roberto Magalhães (PDS), de Pernambuco; José Richa (MDB), do Paraná; e Gerson Camata (MDB), do Espírito Santo.

O PT, apoiado pelo MDB (hoje PMDB) e pelo PDT, realiza a festa-comício pelas diretas em 27 de novembro de 1983, no Estádio do Pacaembu (SP), à qual comparecem 15 mi pessoas. Nesta data, morre o senador Teotônio Vilela, o “porta-voz” das diretas e um dos mais apaixonados pela proposta. Outros comícios no país atraem um número cada vez maior de torcedores pelas eleições diretas. Em Teresina (PI), lembra o então repórter Ricardo Kotscho, hoje secretário de Imprensa da Presidência da República, o vereador Deusdete Nunes (MDB), mais conhecido por “Garrincha”, resumiu o que todos os oradores antes falaram num poema de cordel: “Queremos um presidente/ que seja do nosso meio/ de general a general/ estamos de saco cheio./ Viva a eleição direta/ vade retro ‘Revolução’/ adeus 20 anos de força/ vinte anos de inflação/ vinte anos mais secos/ do que a sede do sertão”.

Os comícios gigantes, na reta final da campanha, aconteceriam no Rio de Janeiro, em 10 de abril, e em São Paulo, em 16 de abril de 1984. No Rio, cerca de 300 mil pessoas se concentram na Praça da Candelária. Em São Paulo, os organizadores contabilizam 1 milhão no Vale do Anhangabaú. Nos palanques, ao lado dos políticos, os artistas eletrizam as multidões. E Osmar Santos, o locutor das diretas, avisa: “Estamos chacoalhando o Brasil. Aqui estão as esperanças de 130 milhões de brasileiros”.

Depoimentos

Vinte anos depois, alguns dos que personagens que viveram o dia-a-dia da campanha pela redemocratização do Brasil foram ouvidos nos últimos dias. As próximas reportagens especiais incluirão depoimentos de personagens da história.

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