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A crônica do Corino - Sou caipira, sim, sinhô

Corino Rodrigues de Alvarenga - 02 de setembro de 2006 - 06:50

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Você pode ler o que existe de melhor, tecnicamente falando: Shakespeare, Kafka, Leskov, Lhosa, Machado de Assis ou Graciliano Ramos.
Você também pode ouvir o considerado, tecnicamente falando, melhor da música: Bethoven, Mozart, Tchaikowsky, Vinicius, Chico, Elis ou Cazuza.
Você pode viajar pelo mundo, conhecer locais paradisíacos, pessoas diferentes da chamada high society.
Você pode ainda comer os melhores pratos, tecnicamente falando, das mais refinadas culinárias americanas, européias ou orientais.
Você pode fazer tudo, conquistar tudo, até pensar que virou expert em tudo. Tudo isso tecnicamente falando.
Mas, deixando de lado o tecnicamente falando, você nunca vai deixar de ser o que você é. Nasci na roça, ouvindo moda de viola, comendo carne com mandioca, pamonha, curau e canjicada, bebendo leite de cabra, escutando causos, lendo cordéis sertanistas. E as festas? Festa, sim, era a festa do peão boiadeiro, era a quadrilha de São João, era o catiretê. Na batida da catira é que o caipira estreava a sua botina nova. Daquela legítima, do mais puro couro de vaca. Não dessas vacas de hoje cheias de hormônios e todo tipo de droga para inchar da noite para o dia e fazer a carne render.
Então no seu peito está tatuado: você é caipira. No seu cérebro está registrado: você é caipira. Na sua alma está o estigma: você é caipira. É caipira e ninguém tasca.
Estes dias eu estive dando uma geral nos meus CDs e DVDs e percebi o quanto eu sou caipira: a metade é de música sertaneja, um quarto é de moda de viola e o restante é de música sertaneja e moda de viola. Só tem músicas de matuto mesmo.
Uma imagem não sai da minha cabeça: toda noite minha avó de criação, dona Jordina, assim que terminava o Projeto Minerva, um programa radiofônico que vinha logo após a Voz do Brasil, lá por volta das 20h30, sintonizava a Rádio Globo de São Paulo para ouvir o programa Linha Sertaneja Classe A.
Aquilo para mim era o máximo. A TV tinha lá a sua programação, lá só pegava a TV Globo, com aquela imagem distorcida e irregular. Novela não tinha toda essa audiência – até porque tinha dia que a TV pegava, tinha dia que não pegava. Seguir novela, naqueles tempos, não era tão atraente quanto ouvir música do sertão no rádio.
Era todo dia ouvir músicas de Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Cascatinha e Inhana, Zico e Zeca, Zilo e Zalo, Liu e Léo, Belmonte e Amaraí e daí por diante. A lista é extensa e demandaria páginas para publicá-la aqui.
E o caipira se deixa trair já pelo sotaque. Já morei em São Paulo e falava caipira. Depois de quase vinte anos longe da minha terra, a sempre bela Cassilândia, moro na Bahia e sempre sou traído pelo erre puxado, amarrado. O baiano e o carioca falam sem a letra erre na pronúncia e o esse sai cantado, enfeitando a fala como se fosse letra de uma música de Caetano ou Ivete Sangalo. É diferente. É outra cultura.
Num dia desses falei para a minha mulher:
- Vou pôr uma miniatura de um carro-de-bois para enfeitar a estante. Acho que vai ficar bom. Um carro-de-bois tem tudo a ver com a minha infância.
- Carro-de-bois? O que é carro-de-bois?
É, meu amigo. Já deu para perceber que ela não é capira. É baiana. E baiana de carteirinha.

Corino Rodrigues de Alvarenga
Contato com o colunista:
[email protected]

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