Cassilândia Notícias

Cassilândia Notícias
Cassilândia, Quinta, 25 de Abril de 2024
Envie sua matéria (67) 99266-0985

Geral

A crônica do Corino - Os lacônicos

Corino Rodrigues Alvarenga - 08 de setembro de 2006 - 08:08

Cassilândia News
Cassilândia News

Os lacônicos

No bairro do Bom Retiro, mais precisamente no inverno daquele ano de 1959, ali na rua José Paulino, bem em frente o número 34, onde foi fundado o Corinthians – mas isso no ano de 1910, claro -, nasceram aqueles dois gêmeos estranhos com descendência italiana: Giovanni e Beppo.
Nasceram praticamente mudos. Foram falar quando já estavam para completar três anos e meio de idade. Dona Conchetta, a mãe, o pai, Bernardo, e a italianada toda da família ficaram em pânico.
Mas um dia, por sinal uma manhã de domingo, Giovanni abriu a boca. Beppo, talvez por essa comunicação própria dos gêmeos, também balbuciou.
- Mama – balbuciou Giovanni.
- Papa – retrucou, também balbuciando, Beppo.
Pronto. Surgiu, ali, no tranqüilo Bom Retiro, a história dos lacônicos paulistanos.
Cresceram lacônicos, econômicos ao extremo. Não só falando. Em tudo. Ambos, rigorosamente iguais, não abriam nem abrem a mão até mesmo para dar bom-dia. Ou boa-tarde.
Namorada só tiveram uma. Cada um conquistou a sua, claro. Conquistou, não. Elas é que tiveram que conquistá-los.
É que eles não abriam a boca para nada. E quando abriam, saía, no máximo, uma palavra. Medida. Precisa. Curta. De preferência, curta e grossa.
Arrumaram duas magrelas. Que era para comer pouco e não dar despesa. Afinal, iriam casar com elas mesmo. Cada um com a sua namorada, que depois virou noiva e, logo depois, esposa. Ou melhor, esposas.
Casaram-se no mesmo dia. Fizeram uma festa e economizaram a segunda. E economizaram mesmo.
A lua-de-mel foi em casa. Assim, economizaram combustível e hotel.
Também para economizar conversa e pratos cheios a mais na mesa, combinaram só se encontrar de dez em dez anos. Giovanni e Beppo, assim, devem um ter visitado a casa do outro apenas umas quatro vezes neste período todo. No máximo, isso. Alternando as casas. A primeira na casa de Giovanni, que nasceu cinco minutos antes. A segunda na casa de Beppo. E assim por diante.
Na semana passada, num domingo frio em São Paulo, foi a vez de Beppo receber a visita de Giovanni. O casal foi à porta da casa para receber as visitas.
- Bom-dia!
- Bom-dia!
- Entra! – convidou a esposa de Beppo.
- Claro! – respondeu o casal, uníssono.
- Demorou.
- Verdade.
- Sentem-se.
- Brigado.
- Tudo bem?
- Tudo.
- Trabalhando?
- Sim.
- Onde?
- Na fábrica?
- Isso.
- Diversão...
- Teatro.
- TCA?
- Imprensa.
- Fernanda?
- Sim.
- Montenegro?
- Não.
- A filha?
- Sim.
- Torres?
- Torres.
- O Palmeiras...
- Mal.
- Goleado...
- 5 a 1.
- O Corintíans.
- Sempre ele.
E, assim, ficaram lá, conversando. Laconicamente. De repente, deu um branco em Giovanni.
- O que vamos ter para almoçar hoje, meu irmãozinho?
- Tá doido?
- Por quê?
- Tu tá falando pelos cotovelos, Giovanni!
- E você também. Está falando demais agora!
- Xi!
- Xi!
E ficaram lá calados. E preocupados.
Eles acabaram de perder o título de Lacônicos Paulistanos, que haviam recebido, em noite de gala, no Clube Juventus, na rua Javari, ali na Mooca. Com moção da Câmara de Vereadores e tudo.
Dizem que até hoje, sábado, não trocaram uma única palavra. Estão com medo de uma recaída.

Corino Rodrigues de Alvarenga
Contato com o colunista:
[email protected]

SIGA-NOS NO Google News