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A crônica do Corino - O ‘Psicólogo’ de Jacobina I

Corino Rodrigues Alvarenga - 10 de setembro de 2006 - 14:54

O ‘Psicólogo’ de Jacobina I

José Antônio de Araújo Sena não é um apenas um nome; é uma marca. Eu diria mais: é um point obrigatório da cultura baiana. Filósofo autoditada de carteirinha, Sena, como é mais conhecido, dá um a zero em qualquer filósofo que tenha devorado livros e mais livros na Universidade de Filosofia.
Sena é casado com a boa professora Orlanete, mulher prendada e dona de notáveis qualidades. Tiveram juntos, ali na Torre da Miguel Guerrera, os três filhos. Torre é o apelido carinhoso do sobrado erguido pela família.
Sena é formado pela maior de todas as universidade, amigo leitor: a Universidade da Vida, com direito a mestrado e doutorado.
Outra marca registrada de Sena é o Moranguinho. Moranguinho é o apelido carinhoso de seu Corsa vermelho, que faz lembrar um morango – tanto pela cor quanto pelo formato.
Em sua barbearia, o nosso personagem José Barbeiro... Ops! Cometi uma gafe sem tamanho. Ele odeia ser chamado desse nome. Vamos respeitar o nosso herói. Como ia dizendo, a sua barbearia fica ali no Mercado Velho, na Praça Getúlio Vargas, bem no coração de Jacobina, a Cidade do Ouro, localizada a 330 quilômetros de Salvador.
Barbearia, não. A mais concorrida barbearia de Jacobina virou um verdadeiro ateliê, onde nosso amigo e herói oferece mais do que o simples trabalho de cortar cabelo e aparar barba.
Quem senta ali numa das duas cadeiras - que estão ali desde os tempos de seu pai, o saudoso Emídio -, ganha em sabedoria, em informação, em filosofia e, sobretudo, economiza o dinheiro do divã dos consultórios de Psicologia, pois sai de lá leve, com a cabeça refrescada, totalmente curado de todo e qualquer tipo de estresse.
Sena – como eu poderia dizer? – é um dedicado apreciador daquele líquido amarelo e gelado inventado, graças a Deus!, pelo simpático povo alemão: a cerveja. Ou pelo menos, se não foi inventado pelos alemães, poderia ter sido também inventado pelos deuses do Olimpo.
Cerveja, cerveja, cerveja. Não importa se gelada, se estupidamente gelada, se quente ou se estupidamente quente. Cerveja, no ateliê de Sena, é o “bom-dia” da casa. Eu, como sou chegado “nessa coisa”, não saio de lá. Tenho carteirinha do clube, embora não esteja com minha mensalidade em dia. Ou, como diria Sena, em dias.
Para você ter uma idéia do que estou falando, o ateliê de Sena é freqüentado pela maioria dos profissionais de Imprensa da região e da Bahia, sejam do rádio, dos jornais ou até da TV. Também se socorrem para lá profissionais como médicos, dentistas, professores, contabilistas, pedintes, bebuns, muitos bebuns. Mas os mais requintados são os apreciadores de uma boa cevada.
E não é à-toa: Sena, além de intelectual de carteirinha, é um cinegrafista de mão-cheia. E as imagens que sua lente registra não são dessas feijão-com-arroz que se vê por ali. O que o cinegrafista Sena capta, sobretudo com o copo de cerveja numa das mãos, é algo que está se arquivando para a posteridade, para os anais da história baiana. Baiana e brasileira. Talvez mundial. Talvez. São imagens surrealistas, psicolélicas, que transformam o cotidiano em vertigem e vertigem em imagens reais do cotidiano. Tudo com muita arte, tudo com muito improviso. E com muita cerveja, claro.
Quando o prefeito de Jacobina era Leopoldo Passos, um zeloso gestor público raro neste País de tantos maus políticos, a cidade era considerada a mais limpa da Bahia. E a mais organizada também, a ponto do prefeito ter recebido em Brasília o título de melhor prefeito baiano e o oitavo do Brasil. Isso no ano de 2000.
Numa tarde quente em Jacobina, entrou um senhor com aspecto de roceiro, humilde, simpático, bom papo, chamado de Seu Zezinho. A turma toda estava ali, como sempre ouvindo e apreciando as filosofias de Sena. Por sinal, geniais – que iremos registrar neste livro em algumas crônicas.
O senhor entrou e todos estavam bebendo, inclusive eu. Sena deu um toque para mim.
- Ponha cerveja no copo dele – e piscando um olho, disse baixinho: - Vamos investir no cabra véio aí. Quem sabe a gente não tem um bom retorno? De repente ele pode mexer nos bolsinhos e pagar umas duas ou três para nós... Vamos investir nessa coisa, cara!
Pois bem. O homem tomou o seu copo de ceveja em dois goles rápidos.
E ali aconteceu a pior coisa que poderia acontecer no ateliê de Sena: acabou a cerveja. Pronto: o fordúncio se armou.
Sena deu uns toques indiretos no homem que acabara de tomar o seu copo descartável de cerveja, mas o roceiro não entendeu. Ou fez-se de desentendido, que a conversa não era com ele, coisa assim. Aí Sena foi mais direto:
- Bem, pessoal... Vamos mexendo nos bolsinhos porque o precioso líquido, ó, se foi, cara!
E Seu Zezinho nada. Ficou lá em silêncio. Como não havia mais cerveja mesmo, o homem pegou o copo descartável, amassou e jogou no meio da rua.
Aí, Sena, já irritado porque o homem não quis mexer nos bolsinhos e nos brindar com o precioso líquido, ficou irado:
- Como pode, cara? Você é da roça, mas na roça tem gente limpa, cara! Como já se viu? Sujar a cidade mais limpa do Brasil? Ai, não, cara! Assim também já é demais!
Aí o homem viu que era com ele e saiu, de fininho.
E Sena, voltando-se para a turma, filosofou:
- Isso aqui é uma escola, cara. O homem não trabalhou bonitinho nessa coisa... levou o que merecia. É por isso que eu bato sempre nesta tecla, cara. Pô, o cara também não poderia ter jogado sujeira no meio da rua. Jacobina é uma cidade limpa. Tio Léo é o melhor prefeito do Brasil. Do Brasil, não! Do mundo, cara! É... vamos deixar esse cabra véio pra lá.
Como ficou todo mundo só ouvindo suas belas filosofias, Sena deu novamente o toque na turma:
- Bem, pessoal... Isso aqui está um deserto do Saara. O cervejol acabou... Que tal ir mexendo os bolsinhos aí?

Corino Rodrigues de Alvarenga
Contatos com o colunista:
[email protected]

NR - O autor do texto é cassilandense e hoje reside em Jacobina

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