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A crônica do Corino - O homem capado

Corino Rodrigues de Alvarenga - 09 de março de 2007 - 07:16

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O homem capado

Antes de começar a escrever a presente crônica, quero agradecer, desde já, ao meu professor Ivan Fernando Gonçalves Pinheiro – e um dia o pobre coitado tentou transformar-me num intelectual, pobre coitado... -, acerca de uma decisão judicial datada de 1833, na distante Estado alagoano, tendo o material como fonte o Instituto Histórico de Alagoas.
A decisão judicial, por si só, já é hilária e seria trágica se não fosse cômica. Ou o contrário, como queira. Vamos a essa preciosidade enviada pelo amigo Ivan e depois eu prometo, como sempre, meter a colher de pau no meio da prosa ruim, assim como faria a cassilandense Mozarina, outra ingrata, a exemplo deste colunista, que um dia abandonara a terra de Cassinha.
Somos ingratos, sim. Certíssimo está Girotto, que é de Magda, e está aí firme em Cassilândia, segurando o leme e mantendo a nau em águas seguras. Segure as lágrimas, Mozarina, e pague um dia a sua dívida com Cassilândia. Eu também tenho que me penitenciar todos os dias. E o faço com grande zelo.
Vamos à historieta judicial. Depois eu volto.

“Sentença Judicial Datada de 1833

Alagoas, 1833

O adjunto de promotor público, representando contra o cabra
Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana, quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do
sucesso faz prova.
CONSIDERO:
QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para
conxambrar comella e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;
QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca
soube respeitar a família de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer
conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;
QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
CONDENO o cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do
Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE.
A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.
Nomeio Carrasco o carcereiro.
Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.

Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe
15 de outubro de 1833”
Eu sempre defendo uma idéia acerca de toda e qualquer assertiva judicial ou sentença que sai da cabeça dos magistrados: o segredo está na lei. Se um País conta com leis tacanhas ou obsoletas, as decisões serão igualmente tacanhas ou obsoletas. Muitas serão inócuas; outras tantas, enfadonhas; e quantas seriam risíveis ou burlescas?
Cada País tem o povo que merece e as leis que conseguiu redigir. Os juízes – e aí eu me coloco no lugar deles -, esses pobres mortais obedientes ao ordenamento jurídico e ao Estado de Direito o que podem fazer?
Os bons magistrados, meu amigo, apenas picam a caneta no papel e fazem a lei ser cumprida. Quanto aos maus juízes, deixemos de lado as exceções. Não são juízes; são carrascos.
Nós não temos hoje uma Constituição ideal, afinal muitas leis complementares ainda não saíram do projeto, mas dá-se para perceber o quanto evoluímos de 1833 para cá. Os homens declinam ao longo do tempo daquela trajetória que mistura mesmice e estagnação – e as leis declinam concomitantemente.
Ou, lembrando Gibran Khalil Gibran, “a vida não anda para trás e não demora com os dias passados”. A vida, portanto, caminha para a frente. E as leis também.

Corino Rodrigues de Alvarenga
Contato com o colunista
[email protected]

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