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A corrida pela droga do câncer

Redação - 22 de outubro de 2015 - 07:19

Matéria publicada pelo jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto, de autoria do jornalista Allan de Abreu, que serve como esclarecimento para os leitores do Cassilândia Notícias. Leia:

Pelo menos quatro pacientes com câncer na região de Rio Preto conseguiram liminares na Justiça para que a USP de São Carlos forneça cápsulas da fosfoetanolamina sintética, substância desenvolvida pelo Instituto de Química da universidade.

Ainda não há comprovação científica dos efeitos da fosfoetanolamina no combate a tumores em seres humanos, que não foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, por isso, não pode nem ser chamada de medicamento. No entanto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) liberando a droga a um paciente provocou uma enxurrada de ações judiciais por doentes de câncer Brasil afora pedindo a droga à USP. A decisão do Supremo é alvo de fortes críticas de médicos e juristas .

Segundo advogados e pacientes ouvidos pelo Diário, novos pedidos de liminar de pacientes rio-pretenses devem ser protocolados na Vara da Fazenda Pública de São Carlos nos próximos dias. De acordo com o diretor do cartório da Vara, Claudemir Donizetti Saldanha, já são 1,5 mil ações de todo o País pedindo as cápsulas. Só na segunda-feira, foram protocolados 200 novos pedidos. “São três funcionários para dar conta dessas ações, o que é desumano”, diz. Todos os pedidos, segundo ele, têm sido atendidos pela Vara, desde que o requerente comprove a doença.

O jornalista de Tanabi Luís Fernando Julião, 35 anos, recebeu as cápsulas pelo correio na semana passada, após conseguir liminar. No fim de 2014, ele descobriu ser portador de um tumor maligno no reto. “No início, foi um choque, mas aceitei a doença e decidi batalhar.”

Julião iniciou quimioterapia no Hospital de Base (HB), em Rio Preto, mas interrompeu voluntariamente o tratamento de três anos em março deste ano. “Não quero mais saber de quimio, é muito sofrimento.”

O câncer se espalhou para o cérebro (já curado após cirurgia, feita há um mês), fígado e pulmão. Há poucas semanas, o jornalista soube da fosfoetanolamina e decidiu arriscar. “Só quem passa por essa luta sabe o quanto é difícil. Tenho o direito de tentar”, diz. Cápsulas da substância, suficientes para 30 dias (são três doses diárias), foram enviadas pela USP via correio na semana passada.

Um amigo de Julião em Tanabi, o contabilista Evandro Pupio, 30 anos, com câncer no fígado, conseguiu a liminar no dia 9 deste mês, mas não resistiu: no mesmo dia em que as cápsulas chegaram, 14, ele morreu.

O advogado rio-pretense Marcelo Augusto Dotto obteve duas liminares até ontem - ele pediu para que os nomes dos pacientes não fossem divulgados - e estuda ingressar com mais ações. “Só hoje (ontem) fui procurado por duas pessoas interessadas nas cápsulas.”

Nos próximos dias, a professora aposentada Onilda Grassi, 66 anos, deve ingressar com ação judicial requerendo a substância. Há sete anos ela sofre de leucemia linfoide crônica. “Já tomei essas cápsulas durante dois meses em 2010 e 15 dias neste ano. Nas duas vezes o resultado foi bom”, diz.

Até ontem, nem o Grupo de Amparo ao Doente de Aids (Gada), ONG que oferece auxílio jurídico a pacientes da região em busca de medicamentos, nem a Defensoria Pública em Rio Preto ingressaram com ações judiciais do tipo. “Até fomos procurados, mas exigimos prescrição médica para a substância, o que tem sido raro”, diz o defensor Júlio César Tanone.

Sem registro da Anvisa

A fosfoetanolamina começou a ser estudada nos anos 1990 pelo pesquisador do Instituto de Química da USP em São Carlos Gilberto Orivaldo Chierice. Na época, a substância chegou a ser distribuída para pacientes com câncer em um hospital público de Jaú, mas a proposta não prosseguiu.

Em entrevista recente, Chierice criticou a Anvisa por barrar o avanço dos estudos com a substância, o que o órgão federal nega.

Em junho do ano passado, o instituto publicou portaria que impede a produção e distribuição de qualquer droga que não tenha o registro na Anvisa. Neste mês, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo barrou mais de 500 liminares que pediam acesso à droga, mas voltou atrás depois que o ministro Luiz Edson Fachin determinou a entrega das cápsulas a um paciente com câncer do Rio de Janeiro.

A decisão do Supremo tem servido de base para a Vara da Fazenda Pública de São Carlos deferir sucessivas liminares.

Em nota, a USP informou não ter condições de produzir a substância em larga escala. “Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença (...). Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula (...).”

O Diário apurou que o custo médio de produção de uma cápsula gira em torno de R$ 0,10.

‘Há uma irresponsabilidade coletiva’, afirma oncologista

A polêmica cápsula do câncer, a fosfaetanolamina, está causando dor de cabeça entre a classe médica. Somente no Instituto do Câncer de Rio Preto (ICA), são 1.050 pessoas em tratamento. Desde a semana passada, após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, liberar provisoriamente a distribuição das cápsulas, pacientes da região começaram a procurar seus oncologistas.

“Há uma irresponsabilidade coletiva, atrelada a uma decisão do STF, que assusta todos os profissionais em oncologia. Como dizer que essa substância cura todo tipo de câncer se foi testada apenas em ratos? É como construir um avião, pela primeira vez, e querer cruzar o Atlântico”, criticou o oncologista Gustavo Colagiovanni Girotto, do Ica.

Diariamente, Girotto atende 25 pacientes. Pelo menos, a metade quer saber da substância. A preocupação é que o paciente possa deixar o tratamento tradicional. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica estima que 80% dos pacientes recorrem a um tratamento alternativo.

Girotto, que também é o pesquisador responsável em oncologia do Centro Integrado de Pesquisa (CIP), da Funfarme (Fundação Faculdade Regional de Medicina), diz que seu grupo realiza 49 estudos que vão desde “amenizar” a dor até a cura. “Somente médicos e pesquisadores têm autorização de fazer esses testes em humanos. Essa substância foi avaliada por profissionais de outra área e em animais. Como pode falar que há cura?”

Felipe Ades, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, considera que o resultado em animais pode ludibriar. Serve apenas como triagem antes de testá-lo no corpo humano. “O rato, por exemplo, aguenta doses maiores de qualquer medicamento por ter o metabolismo acelerado, em torno de cem a mil vezes mais que os seres humanos”, explicou. “É mais fácil um rato combater um tumor humano, que é totalmente diferente das suas próprias células, do que uma pessoa combater um tumor que foi gerado do seu próprio corpo e é parecido com suas células normais.”

A decisão de Fachin foi alvo de crítica até entre os juristas. “Nesse caso, a Justiça deveria ouvir médicos, cientistas, entidades e, se for o caso, fazer uma audiência pública antes de qualquer decisão”, opinou o jurista Luiz Flávio Gomes.

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