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Luciane Buriasco: Café com Chocolate

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 12 de junho de 2017 - 08:20

 Luciane Buriasco: Café com Chocolate

Assisti A Vida de Uma Mulher, filme francês, de Stéphane Brizé, adaptado do romance Uma Vida, de Guy de Maupassant, de 2016, em cartaz no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece em 55 cidades brasileiras, inclusive Campo Grande, até quarta-feira. Li também um artigo do jornal Libération (1) sobre o casamento do século XIX, que em suma dizia que era horrível tanto para o homem quanto para a mulher. Para a mulher, porque dele dependia toda a sorte de sua vida, com uma promessa de felicidade irreal, que só gerava decepções. Para o homem, porque se casava com alguém com pouca experiência sexual, que não o amava, de quem ele não conseguia ser o super herói e com o tempo, ela percebendo isso, minava ainda mais a relação. Ninguém se satisfazia e o recurso à traição era comum. Tanto era ruim que as coisas mudaram. E surgiu o casamento por amor e a vida profissional da mulher.

O filme é uma paradeira só, para retratar esse tempo que passa e nada acontece naquela vida do século XIX. Assisti também, do mesmo festival, Rock n'roll, Por Trás da Fama. Uma comédia muito crítica de nossos costumes, já do século XXI, de ser quem não se é, sempre jovem, no topo do sucesso, desejado, amado, enfim, sobre o quanto gostamos de ilusões. É a história de um casal de atores franceses de quarenta e poucos anos, com o contraste entre as telas e sua normal vida privada, com a juventude que passou e eles não aceitam, mergulhando fundo nas ilusões do botox, bomba, cabelo pintado, silicone, seriado americano e por aí vai.

Nas notícias da semana, o banho de água fria no julgamento do TSE - Tribunal Superior Eleitoral por aqui, e o tiro no pé de Theresa May, a Primeira Ministra do Reino Unido, que convocou eleições antecipadas para provar que tinha apoio e descobriu então que seu apoio é menor do que formalmente já tinha. Quanta desilusão!

Talvez tivesse sido melhor assistir Mulher Maravilha, em cartaz nos cinemas, mas de tão irreal, lembraria de nossa necessidade de ter heróis, como aconteceu com Contardo Calligaris (2).

Não tem jeito. A vida melhora incessantemente, mas está sempre aquém das nossas expectativas. Não é nem tão boa, nem tão ruim como pensamos, conclui o filme A Vida de Uma Mulher. É só a vida. Há pessoas que mentem, há as que nem podem saber a verdade, como constata a personagem principal diante das traições conjugais, que não são senão formas de se iludir, de dizer que a vida não é como é, que você não está tão velho assim, agora me lembrando do filme Rock n'roll, ou que não tem que se calar com a boca de feijão ao meio-dia, como diz Chico Buarque na música Cotidiano. Lembram? Todo dia ela faz tudo sempre igual...

Nem Romantismo dos amores sem fim, nem Realismo dos fins trágicos, sem saída, do suicídio. Talvez o século XXI, logo após os livros de auto-ajuda, seja o de sabermos como são as coisas e seguirmos em paz, curtindo o moletom do frio em casa, as malas que se desfazem da viagem, o arroz-feijão-bife-legumes que nos mantém nem magros nem gordos, o cheiro do café que anuncia um novo dia, uma nova fase do dia, ou momento de parar um pouco. Talvez os políticos descubram que já não têm tanto apoio popular, que não acreditamos em heróis, nem totalmente nas instituições. Mas tudo bem, seguimos nossas vidas fazendo o que melhor dermos conta de fazer. Nem tão parada como a do século XIX, nem tão falsamente agitada como a de Hollywood do século XX. Só normal, no normal de cada um.

E quando estiver normal demais, não custa celebrar alguma coisa, como o Dia dos Namorados hoje, um aniversário de alguma coisa, fazer planos, conectar-se às pessoas sem medo, embora com toda razão para isso, nem ilusão. Não vai mal um chocolate acompanhando o café Flor da Serra depois do arroz-feijão. Quem sabe a gente acerta a mão do açúcar no século XXI: nem doce, nem amargo, nem muito, nem pouco: 26% de cacau em embalagem de 5 gramas Cacau Show está bom? Todo dia. Ou uma barra no sábado. Sei lá, vamos encontrando nossas medidas em nossos pequenos prazeres substitutivos para a pequena pitada de dor inevitável da vida.

Notas:

http://next.liberation.fr/livres/2017/06/07/ils-se-marierent-et-eurent-beaucoup-d-ennuis_1575169

http://m.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2017/06/1891022-os-mitos-e-os-herois.shtml


Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

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