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Luciane Buriasco

Luciane Buriasco: Você, homem ou mulher, é machista?

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 06 de março de 2017 - 13:20

Luciane Buriasco: Você, homem ou mulher, é machista?

Da definição do dicionário, extrai-se que machismo é “a atitude ou comportamento de quem não aceita a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo contrário, pois, ao feminismo”[1]. Ser machista ou feminista, por exemplo, não é integrar uma torcida por um gênero ou outro, normalmente por se pertencer ao mesmo. Há homens e mulheres machistas. E há quem nem saberia responder à pergunta.

Aceitar ou não a igualdade de direitos entre homem e mulher é o critério. E aceitar em atitudes e comportamento. Já passou o tempo de lutar por avanços legais. O machismo perdura e não pode ser negado diante da violência doméstica e da constatação de que as mulheres ainda ganham menos (a ponto de, se aumentar o número de mulheres numa determinada profissão, diminuem os ganhos dessa profissão)[2] e tem presença menor entre os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, cargos de direção e Conselhos de Administração de grandes empresas, com menos cadeiras em academias de letras e são menos premiadas cientificamente. O topo ainda é um lugar reservado aos homens.

Parte disso se explica pelo tempo e energia dispensados aos afazeres domésticos e criação dos filhos, que ainda pesam mais para as mulheres – outra desigualdade de direitos. Parte pelas próprias mulheres que não vislumbram sequer o topo. Deixam, culturalmente, para os homens. O mesmo com suas prioridades, compras de carro, investimentos. Prisioneiras por opção, sequer as mulheres lutam pela igualdade de direitos na relação: estudo, decisão sobre o gasto de dinheiro, viagens, amigos, vida própria.

As mulheres já aprenderam a trabalhar e ganhar dinheiro, até algumas a sair de relações destrutivas, denunciar o parceiro que lhe ameaça ou bate, e a ver o homem também como objeto sexual, sem prejuízo do que mais lhe possa representar, deixando de se sentir, como regra, meramente um objeto sexual. É bastante. Mas ainda não aprendeu a gastar o dinheiro, com igualdade na divisão dos gastos e autonomia para gerenciar seus investimentos. Nem a manter-se numa relação sem anular suas necessidades.

No filme Mil Vezes Boa Noite, a personagem vivida por Juliette Binoche tem que decidir entre viver seu feliz casamento e vida familiar com suas duas filhas ou a paixão de sua profissão, que lhe dá sentido à vida (é uma grande fotógrafa de guerra). O filme é magnífico e me perdoem por adiantar que ela escolhe a profissão, embora de sua parte nunca tenha entendido por que não lhe foi permitido conciliar as duas coisas. Quantas mulheres não sufocam suas paixões pela vida familiar – e aqui me refiro às absolutamente legítimas, como a do filme, sem entrar no campo da infidelidade, onde há também pouca igualdade, diga-se – e seguem caladas e infelizes?

Chega de campanhas do tipo “Denuncie” em matéria de violência doméstica. E, claro, tudo que coloque a mulher como mero objeto sexual: programas de auditório com mulheres semi-nuas dançando, dança do ventre em jantares ou comemorações, etc. É preciso ir além. A grande campanha deve ser a contra o machismo, o sentimento de posse, a não realização pessoal, dentro da própria relação. E deve se dirigir a homens e mulheres. Ou troca-se de parceiro como quem troca de cenário, ator, e encena-se a mesma peça.

[1] Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Ed. Positivo, 2009. 4. Edição. Pág. 1243.

[2] Matéria de 26 de março de 2016 do The New York Times, de Claire Cain Miller, intitulada “Assim que a Mulher Entra Em Campo Dominado pelos Homens, o Pagamento Diminui”. (tradução nossa).

Trailer do filme "Mil Vezes Boa Noite"

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

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