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Luciane Buriasco

Luciane Buriasco: O que te oprime?

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 03 de abril de 2017 - 07:30

Luciane Buriasco: O que te oprime?

O Congresso Paraguaio foi invadido e teve o prédio danificado por manifestantes protestando contra uma emenda constitucional que permitirá a reeleição do atual Presidente. Aqui, a Reforma da Previdência e manifestações de rua, pacíficas, conseguindo impedi-la. Mulheres ícones discutem a situação de seu gênero ao finalizarem o mês de março, em evento denominado Elas por Elas. Na Venezuela, o Judiciário resolveu esvaziar o Legislativo, ao que consta, favorecendo o Executivo. A cidade árabe de Mossul, a segunda maior do Iraque, comemora sua parcial liberação, ocupada pelo Estado Islâmico desde 2014.

Talvez pudéssemos resumir esses eventos que estiveram no noticiário da semana passada em leis sem respaldo popular, desrespeito à igualdade de gênero, à separação de poderes, invadindo-se atribuições, cidades, casas, vidas. Mais resumidamente ainda, vivemos um mundo que oprime. O Estado, grupos, a sociedade, o parceiro.

Há ainda outras opressões. As pessoas em conflito com a lei reclamam da opressão policial; a sociedade de viver sujeita ao crime. E o olhar das pessoas com as quais convivemos? Será que gastamos o que queremos e com o que queremos gastar? Será que fazemos nossas escolhas ou deixamos alguém fazê-las? Quantas vezes deixamos de nos expressar de forma artística, como pintar ou tocar um instrumento musical, porque alguém não valoriza ou disse que não éramos bons nisso? Será que comemos ou bebemos o que queremos ou será que atendemos a imperativos sociais? Será que é nosso mesmo o desejo de sermos bem sucedidos e dotados de beleza física?

E ainda outras. A depressão, doença do século, como se diz, tem uma série de causas. Para Winnicott, em Privação e Delinquência, seria decisiva a falta de amor na infância, privação de afeto, nas palavras dele, de forma que a pessoa acaba não se amando suficiente para suportar o seu lado negativo. Veja só: não ter sido amado, especialmente pela mãe, faz com que você se oprima no futuro.

Há opressões culturais que nos impomos. Toda vez que dizemos que homem não pode fazer isso, mulher aquilo, que deixamos de experimentar um sabor novo, de viajar de avião ou navio por medo de morrer, de conhecer algum lugar, por medo da criminalidade ou terrorismo, deixamos de estudar, porque alguém é contra, enfim, estamos nos oprimindo por nossas próprias crenças, adotadas ou não de outras pessoas do nosso convívio.

São tantas formas de opressão a que estamos sujeitos que não há rápida libertação. No Paraguai seria melhor se as manifestações populares não fossem em si uma opressão, ou seja, volumosas, mas pacíficas, como as nossas, que parece alcançarão professores da rede particular de ensino, depois que os da rede pública conseguiram ser excluídos das mudanças. Cada vez mais as mulheres se dão conta de que o que vivem pode ser diferente. Sanções econômicas têm sido boas alternativas à guerras. Os países do Mercosul, neste sentido, anunciaram estudar a possibilidade de retirada da Venezuela do bloco, caso a situação persistisse, o que já fez com que o Executivo por lá anunciasse a volta das funções legislativas. Cidadãos de Mossul contam que acreditaram de início na ideia do Estado Islâmico. Não houvesse essa adesão, tudo talvez fosse diferente.

Também dá para viver sem gerar ocorrências policiais e contorná-las com mais segurança, seguro, e alguma tolerância. Podemos assumir nossas vidas e nossos desejos, nosso lado negativo, permitindo-se o novo. Os olhos dos outros devem enriquecer o nosso olhar, não nos aprisionar. Às vezes estão apenas enganados. Os patinhos feios não conheciam cisnes ao nascer, no clássico O Patinho Feio, de Hans Christian Andersen. Pouco importa se para isso formos a psicólogos e psiquiatras. É a ciência ao nosso dispor.

Claro que a vida é cheia de limites e libertar-se não pode ser escusa para tornar-se opressor. Identificar as opressões a que estamos sujeitos e agir de forma a se libertar, sem com isso oprimir: tal parece ser o desafio, neste mundo de opressão.

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

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