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Luciane Buriasco

Luciane Buriasco: O Mercado e o Fim da Corrupção

Luciane Buriasco Isquerdo (*) - 29 de maio de 2017 - 11:29

Luciane Buriasco: O Mercado e o Fim da  Corrupção

Assisti em Campo Grande palestra da Procuradora da República (MP Federal) Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, na semana passada, sobre acordo de leniência, feito com base na Lei n. 12.846/2013, a Lei Anticorrupção brasileira, através do qual o Estado torna-se leniente, ou seja, abranda penas cíveis e administrativas, como multas e fechamento da empresa, para o empresário corruptor que aceite desbaratar o esquema no qual está inserido. Os mecanismos são interessantes, mas o que mais me interessou foi o fundamento dessa lei, similar à de outros países, decorrente de tratados internacionais firmados, com destaque para o Fair Play, que não é só um acordo de cavalheiros entre multinacionais, de jogar limpo umas com as outras nos países afora em que forem ter negócios, mas principalmente um certo consenso de que o custo é mais baixo quando não há corrupção.

Há um movimento então no próprio mercado, movido pelo desejo de lucro de grandes empresas globais, para acabar com a corrupção. Afinal de contas, subornar funcionários públicos implica num custo operacional elevado, e, por óbvio, em menos lucro. Há empresas que não querem também ser punidas em seu país de origem, já que algumas dessas leis prevêem como crime o suborno, mesmo praticado em outro país.

Fiquei otimista. O lucro move o mercado e o mercado tem movido a política, com a globalização. Citando Bauman, minha orientadora da monografia de conclusão do curso de graduação, Jeanine Nicolazzi Philippi, no texto Sobre direito e sujeitos, diz a razão dessa importância maior da Economia frente à Política:

"A impotência econômica do Estado - estima-se que as transações intercambiais especulativas atinjam o volume diário de US$ 1,3 bilhão, uma quantia cinquenta vezes maior do que o montante de trocas comerciais e praticamente o mesmo valor da soma das reservas de todos os bancos centrais do mundo - faz com que ele, não podendo resistir senão por poucos dias às pressões do mercado, atue como um agente mantenedor de uma ordem necessária à realização dos negócios, sem que possa, contudo, intervir de modo decisivo como regulador das transações econômicas em escala global" (1).

É preocupante essa impotência cada vez maior do Estado, afinal, quem cuidará dos menos favorecidos, uma multidão cada vez maior, que depende de benefícios pagos por este Estado, ligados a saúde, transporte, moradia e alimentação? Por certo não será o mercado, que só tem engrossado a fileira. O orçamento apresentado por Donald Trump ao Congresso dos Estados Unidos corta em 25% os poucos benefícios por lá existentes, financiando assim o corte de tributos que aumentará ainda mais o lucro das grandes empresas, o que vai de encontro às suas promessas de campanha, como apontou na semana passada o colunista Paul Krugman, do The New York Times (2).

Exemplo da força do mercado foi vista em Cannes, a premiação francesa de cinema, que numa dinâmica diferente do Oscar, depois de dias exibindo filmes, num vai e vem de artistas no tapete vermelho, foram então anunciados os vencedores, escolhidos por um júri eclético que contava com Will Smith, entre outros, e presidido pelo aclamado diretor espanhol Pedro Almodóvar. Este, grande nome do cinema, deu declarações em entrevistas à imprensa contrárias ao Netflix, gigante americana de streaming TV, de conteúdo on line, para assinantes. Ao concorrer com conteúdo exclusivo, ou seja, com filmes que nunca passarão no cinema, sofreu dura crítica do Presidente do Júri. Antes que acabasse Cannes 2017, segundo a revista espanhola Fotogramas, ele teria assinado contrato para dirigir uma nova série do Netflix. A informação foi por ora desmentida, mas poderá ser confirmada se a tal série surgir. Se verdadeira, terão cooptado Almodóvar.

O lado bom é que se o mercado realmente comprar essa briga com os governos e pararem de pagar propina, há luz no fim do túnel de que a prática venha a ser abandonada. Pelo o menos as chances são maiores do que apostar numa postura geral mais ética do ser humano. Quanto menos intervenção do Estado, menos corrupção. Será que o Estado, além de garantidor da ordem necessária à realização dos negócios se tornará também uma grande instituição de caridade, cuidando de serviços e benefícios a quem deles precisa? Será que o tributo será essa caridade? Bom, quando falamos em menos lucro, as esperanças são menores. O fim da corrupção, nesse sentido, é um sonho bem mais palpável e próximo. Este talvez seja o centro, onde se encontram direita e esquerda.

BAUMAN, Zygmund. Globalização - as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. In.: PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. Sobre direito e sujeitos. In.: Direito de Família e Psicanálise - rumo à uma nova epistemologia. Coord. Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
https://www.nytimes.com/2017/05/26/opinion/trumpcare-cbo-federal-budget.html?smprod=nytcore-iphone&smid=nytcore-iphone-share

(*) Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito da 2.a. Vara Cível e Criminal de Cassilândia-MS, apresentadora dos programas de rádio Culturativa (http://www.radiopatriarca.com.br/culturaativa.asp) e Em Família, na Rádio Patriarca. Siga-a no Tweeter: @LucianeBuriasco

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