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Luciane Buriasco

Luciane Buriasco - Novas formas de se cantar a dor

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 31 de julho de 2017 - 08:20

Luciane Buriasco - Novas formas de se cantar a dor

Na semana passada, dois gigantes da música, mais lembrados no passado que no presente, lançaram novas músicas: Mick Jagger e Chico Buarque, um do rock, outro da MPB (Música Popular Brasileira).

Numa delas, Mick Jagger trata de um tema político e se posiciona, afirmando que a Inglaterra perdeu ao sair da União Européia. “England Lost” traduz-se literalmente “Inglaterra perdeu”. O videoclipe mostra um engravatado nos prédios de Londres sair do grupo de engravatados e, sentindo-se perseguido, correr até um bairro pobre e, mesmo atropelado duas vezes, só parar quando chega no limite do mar. E lhe perguntam onde ele pensou que iria afinal.

Ficou ótimo o vídeo. Mostra como os perigos, supostamente o da imigração, que ele afirma parecer ser disso que se tratou na verdade a saída do país do bloco, são imaginários. “Ninguém pode entrar; ninguém pode sair” afirma, mostrando a estupidez da hipótese. Há também um vídeo da letra da música, do qual participa um rapper, que pontua que para a classe explorada nada mudou.

A bem da verdade, sequer a Inglaterra saiu de fato do bloco, cada vez mais perdida em como fazer isso, respeitosa da democracia, de um lado, dependente economicamente do bloco, de outro. Mas não vai mesmo mudar.

O rock sempre teve a ver com isso: engajamento político, uma certa revolta típica do jovem, com coragem para dizer o que tem que ser dito. Rock tem tanto a ver com juventude que ela parece nunca ter passado para Mick Jagger, mesmo aos seus 74 anos. A irreverência é a mesma. Recentemente, foi pai pela oitava vez.

Falando de amor, Chico Buarque lançou Tua Cantiga. O vídeo é simples: ele entra, canta e sai ao acabar a música. A declaração de amor é intensa, incondicional, mas tem suas pitadas de realidade: “quando o teu capricho exigir, largo mulher e filhos”. Observe “capricho”. “Serás cruel, talvez; vais fazer manha, me aperrear”, e circunstancia a relação: esta é a canção dela, só dela, mas o tempo deles vai passar. Claro, nem que seja por ele não mais lá estar, já com 73 anos - praticamente a mesma idade de Mick Jagger. Chico Buarque não &eacut e; romântico, seu amor sem fim tem sempre um fim, como na vida real. A exclusividade é da música, da cantiga, não do seu amor.

Na MPB o assunto número um é o amor, especialmente o fim dele. É um gênero musical repleto de emoção; combina com “uma bebida por perto porque você pode estar certo que vai chorar”, como diz Vinícius de Moraes em Regra Três, a melhor sobre traição. A MPB é a música do sujeito que sofre, mas consegue abstrair da sua dor e transformá-la em quase poesia. Ele se resigna à dor, típico do brasileiro, e a transforma em arte, beleza. Há uma certa rede de contenção entre o sujeito que sofre e sua dor. Uma certa sofisticação que faz com que o nome popul ar seja hoje por vezes questionado, embora siga se opondo a erudito, falando de coisas do cotidiano, como o amor.

O Samba mora perto da MPB, mas é mais intenso, na alegria ou na tristeza. A curtição do samba é tanta que além do dia amanhecer, o sujeito no final gostou tanto da música que fez que já nem lembra da dor que deu origem a ela. A dor se torna meio musa inspiradora, o que soa mais resignado ainda, ao ponto de feliz, este feliz do Brasil que fez com que Olga, a personagem que dá nome ao filme de Jayme Monjardin, com suas lutas para mudar o mundo, perguntar-se, no Brasil, em pleno carnaval, vendo o sorriso da criança pobre, se de fato o mundo queria ser mudado.

As músicas de amor em inglês são muito diferentes, por exemplo. São mais sóbrias, polidas. A rede de contenção é mais grossa. O sujeito fala de sua dor de forma tão objetiva que não seria possível chorar. Pode ouvir com Coca-Cola. Não é latina, com as emoções à flor da pele. Mais estilizado ainda é o Soul. Mais sofisticado o Jazz. O Blues está mais perto da dor, dos marginalizados, mas tem também uma elegância ao tratar dela. O Reggae é mais alegre, leve. O Dance perfeito para malhar ou dançar.

Voltando ao Brasil, embora haja um Country americano, o Sertanejo nosso, assim como a MPB, fala da dor e tem no amor, intenso ou descartável (universitário), seu tema número um. Não há, contudo, rede de contenção. A relação com a dor é direta, concreta, sem rodeios. Tem algo dos ditos populares, de um saber que parece ser universal, mas só diz respeito ao seu universo na verdade. Não há muitas opções na vida. O coração tem dono. É tudo ou nada. Impossível ser mais passional.

No extremo oposto, está a música clássica. Nela mora o sublime, o erudito, o ser que se eleva. A dor aqui se transforma em louvor e o choro é de emoção profunda, mais de uma felicidade duradoura que de tristeza. A abstração é tanta que dispensa palavras. Vai além.

Há muitos gêneros musicais que sequer mencionei, eu sei. Há os que não conheço também. Há os que combinam com esta ou aquela ocasião. Mas, absolutamente, vale lembrar que a vida tem muitos ritmos, muitas maneiras de extrair beleza da dor. Ainda, que ao mesmo tempo que buscamos nossas preferências, somos influenciados por elas, na nossa relação com a dor, esta sim, nossa maior universalidade.

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito da 2.a. Vara Cível e Criminal de Cassilândia-MS, apresentadora dos programas de rádio Culturativa (http://www.radiopatriarca.com.br/culturaativa.asp) e Em Família, na Rádio Patriarca. Siga-a no Tweeter: @LucianeBuriasco

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