Luciane Buriasco
Luciane Buriasco - A Discreta Mulher Mais Poderosa do Mundo
No próximo domingo, dia 24 de setembro, os alemães irão às urnas em eleições legislativas e por suas alianças e as regras de lá, tudo indica que Angela Merkel, a atual Chanceler, seja reeleita. Ela é a mais eminente representante do modelo alemão, como aponta Johanna Luyssen, correspondente de Berlim do jornal francês Libération, em matéria publicada ontem[1], colocando certa reticência no que será esse quarto mandato, com essas alianças e partidos que devem chegar ao que penso ser equivalente à nossa Câmara dos Deputados. Angela Merkel foi considerada pela revista Forbes como a mulher mais poderosa do mundo[2], perdendo para Vladimir Putin, da Rússia, e Donald Trump, dos Estados Unidos.
Sou sua fã por suas posições favoráveis ao acolhimento dos imigrantes e por ser uma representante do meu gênero, de regra longe do poder. Admiro sua discrição, serenidade e é mesmo uma pena que não se considere feminista[3] ou mesmo que num mundo machista tenha que fazê-lo para manter apoio suficiente para se manter no cargo. Achei interessante sua estratégia de usar roupas que não causem surpresa alguma, depois que certa vez observou que enquanto conversava seu interlocutor reparava em seus sapatos[4]. Para que reparem, portanto, no que ela tem a dizer, tenta fazer com que nenhuma outra informação chegue antes e roube a cena. Faz o tipo mais mãe que mulher (embora nunca tenha sido mãe, ou talvez por isso), o que causa simpatia, aproxima mais que rivaliza.
Ela me decepcionou ao votar contra o casamento homoafetivo, mesmo provavelmente sabendo que seria, como foi, aprovado, há poucos meses. Mas tudo bem. Embora acolhedora dos imigrantes, e liberal na economia, tem posições conservadoras, tanto que não se declara feminista, como apontado. Ninguém é perfeito.
O tal modelo alemão que ela representa me parece a genuína cartilha liberal de, entre outros, desregulação do trabalho para aquecer a economia. Ela conseguiu diminuir o desemprego e a economia do país vai tão bem que a revista The Economist, recentemente, em matéria de capa[5], falou que o problema alemão é como aquecer a economia quando há um excesso de poupança por parte da população. Precisam gastar mais. Vejam só. Claro que essa revista, inglesa, tem forte e mesmo declarada postura liberal. Já as reticências que mencionei sobre as alianças que terá que fazer são do jornal de esquerda francês, o Libération.
Embora o jornal francês Le Monde se declare de centro, não tenho muitas dúvidas da inclinação esquerdista do periódico mensal, Le Monde Diplomatic. Em matéria deste mês de setembro, Olivier Cyran chama o milagre alemão de inferno[6]. E aponta dados interessantes. Os auxílios governamentais na Alemanha são centralizados num lugar chamado Jobcenter (centro de trabalho) – nossos CRAS talvez. 1/3 das pessoas que procuram esse lugar são aposentados que não conseguem sobreviver com a aposentadoria. Os Jobcenters são os mais coercitivos da Europa. Chegam a obrigar a trabalhar quem esteja há mais tempo recebendo auxílio, nos trabalhos que têm à disposição, fazendo com que um grafista, por exemplo, de sessenta anos, tenha que se apresentar para um trabalho de meio período na construção civil, com equipamentos de segurança, dos quais sequer dispõe. Ou que pessoa solteira seja obrigada a declarar a identidade e idade de seus parceiros sexuais. De forma bastante invasiva , como se vê, tentam encontrar um meio da pessoa sair dos auxílios.
Na verdade, segundo a matéria, há menos desempregados, mas muitos trabalhadores se converteram em necessitados. Eles consideram quem ganhe menos de 979 Euros trabalhador pobre, categoria que aumentou de 18 para 22%. Muitos foram de emprego regular para postos precários e há mini-empregos, de renda inferior a 450 Euros, com os quais sobrevivem 4,7 milhões de pessoas.
Muito embora as diferenças culturais, a começar pelos sindicatos franceses - que fazem mais greves e protestam mais que os alemães, estes últimos com a tendência de não ir de encontro a políticas do governo, já que eleito democraticamente – quer se implantar na França tal modelo. Entre proteger o trabalhador/emprego e a economia, tem se preferido a economia. Os franceses, ao contrário dos alemães, não estão dispostos a trabalhar mais sem ganhar mais, enfim, em prol do país. Desconfiam mais do governo e lhes atribuem o papel de garantir um mínimo não tão mínimo assim de sobrevivência. Afinal, já passaram pelo Antigo Regime, que antecedeu a Revolução Francesa, e sabem que o excedente não se distribui, salvo à forç ;a, que seja a força da lei. A riqueza pode se concentrar e uns esbanjarem, que sejam os grandes empresários de hoje, enquanto outros ficarem sem nem o pão, ou no balcão de Jobcenters.
Os alemães, com outra história, embora sempre lembrados como vilões, sofreram muito com as guerras mundiais e construíram quase que tijolo a tijolo de novo o país. Possuem o culto do trabalho e a breve experiência comunista, também sofrida, que separou o país à força, talvez tenha deixado esse senso de comunidade. São menos individualistas que os franceses. Até porque sempre que se uniram e deram de si pela comunidade, viram todos melhores.
Há muitos anos assisti um filme belíssimo sobre essas diferenças entre franceses e alemães. Nós que Nos Odiamos Tanto, de Franck Apprederis, que estreou no Brasil em 2006, foi produzido como parte das comemorações dos 50 anos da União Européia. É uma estória de amor, salvo engano entre uma francesa e um alemão, que sinaliza, no amor da família de origem ao neto comum, um futuro de necessária união, mesmo tão diferentes.
Pelo desejo de Emmanuel Macron, atual Presidente da França, o modelo de Angela Merkel será implantado no país e diminuídas essas diferenças em nome da economia da União Européia, e não somente da França. Ele sabe que seu grande desafio é conseguir fazer essas mudanças, tendo em vista a resistência dos franceses. A reeleição de Angela Merkel aumenta sua força, como de toda a Europa, que seguirá tendo a mesma líder de fato, que serena, sem pressa, sem afrontas, discretamente, quase sem ser percebida, mulher quase homem, maternal sem ter sido mãe, impõe-se cada vez mais. Discordâncias à parte, torço por ela.
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[1] http://www.liberation.fr/planete/2017/09/17/elections-allemandes-j-7-merkel-dans-l-oeil-du-cyclone_1596994
[2] https://www.forbes.com/profile/angela-merkel/
[3] https://www.nytimes.com/2017/09/16/sunday-review/angela-merkel-feminist-germany.html?_r=0
[4] Idem
[5] https://www.economist.com/news/leaders/21724810-country-saves-too-much-and-spends-too-little-why-germanys-current-account-surplus-bad
[6] Parte do artigo, já que exclusivo para assinantes: http://www.monde-diplomatique.fr/2017/09/CYRAN/57833
Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito da 2.a. Vara Cível e Criminal de Cassilândia-MS, apresentadora dos programas de rádio Culturativa (http://www.radiopatriarca.com.br/culturaativa.asp) e Em Família, na Rádio Patriarca. Siga-a no Tweeter: @LucianeBuriasco